Lia a sina a cada um
Na palma de cada mão;
Não desgraçava nenhum,
Nem lhe tirava a ilusão.
Toda a donzela paria,
Todo o homem navegava;
E nem a moça sofria,
Nem o rapaz naufragava.
Um amigo em cada linha,
Um triunfo em cada dedo;
Nos seus lábios ia e vinha
A reserva dum segredo.
Não se mostra uma paixão
Tal e qual, à luz do dia;
Cobre-se-lhe o coração
Da rede duma ironia.
Mas quem tem penas no peito,
Entende acenos discretos;
Sabe ficar satisfeito
Com afagos indirectos.
E em toda a grande praça
A multidão que a enchia
Vivia daquela graça
E do bem que repartia.
Porque nascera cigana,
Sem fronteira no sorriso,
A sua palavra humana
Conhecia o paraíso.
E ali, mulher, o mostrava
A quem, faminto, o pedia:
A quem, crédulo, o comprava
Pelo preço que valia.
Miguel Torga, A Cigana
Diário III, Coimbra, 19 de Junho de 1946
Pas plus que le saint, l’artiste n’est un opposant au pouvoir.
Il est l’opposé du pouvoir, même sans atteindre à la sainteté.
Plus qu’un révolutionnaire, c’est un révolté ; et plus encore qu’un révolté, un rebelle.
Un champion de la liberté, tellement libre qu’il vit en lutte permanente avec ses propres démons.
Miguel Torga, Journal (1977)